JEFFERSON PORTELLA: POLÍCIA QUE NÃO COMBATE CORRUPTO NÃO MERECE RESPEITO SOCIAL


Para o Secretário de Segurança Pública do Maranhão não basta prender o criminoso de esquina. A lesividade social da corrupção é muito mais letal e, ainda por cima, se projeta para o futuro.
Jornal Pequeno

Entrevista concedida a JM Cunha Santos

As ideias defendidas pelo secretário de Segurança, Jefferson Portella, soam revigorantes num policial. Ele é um delegado de carreira, concursado, acostumado, portanto, a enfrentar a brutalidade diária e o imediatismo inevitável dos distritos policiais no Maranhão e no Brasil. Conversando com ele, percebe-se o apego às doutrinas modernas de segurança pública e quase sempre reage como um desses raros homens que se dedicam à carreira policial convictos de que muito pouca coisa é mais importante que combater o crime.

Essa entrevista aconteceu em seu gabinete, no início da noite, quando, depois de um dia intenso de trabalho, ainda se preparava para acompanhar  blitzs da “Operação Catraca” e da “Operação Lei Seca”. Jefferson Portella acredita que usando os serviços de inteligência da polícia é possível vencer as facções criminosas, revela pleno conhecimento do poder de lesividade da corrupção e, do seu ponto de vista, uma polícia que não combate o crime de colarinho branco não merece respeito social.

Jornal Pequeno – O deputado Aluísio Mendes contestou sua denúncia de que R$ 300 milhões do empréstimo do BNDES destinados à segurança pública jamais foram aplicados no Maranhão. O que tem a dizer sobre as declarações do parlamentar?      

Jefferson Portella - Do total de empréstimos do BNDES, uma parte veio para ser aplicada no Sistema de Segurança. Nós assistimos, aqui mesmo, uma apresentação da Cobraf, que é uma unidade gestora de acompanhamento da realização das obras, porque esses empréstimos do BNDES são fiscalizados. É diferente de outros bancos que emprestam o dinheiro e deixam pra lá. No caso do BNDES, faz parte do contrato uma fiscalização técnica.
Durante essa exposição um dos técnicos disse, claramente, que a Secretaria dispensava a fiscalização. Na exposição, os engenheiros mostraram o conjunto de obras que o Maranhão receberia desse total de empréstimos. No caso particular da Secretaria de Segurança Pública, obras como delegacias e quartéis a serem reformados e obras novas a serem construídas. Nós observamos que grande parte dessas obras foram pagas, mas no interior do Estado muitas não foram realizadas e na capital algumas apresentam sérios problemas na sua estrutura. Tanto que entramos em contato com uma das empresas e ela informou, através de nota técnica, que deve recuperar as obras que foram inauguradas. E há o caso de obras que sequer foram concluídas. Isso é grave.

Para liberação das verbas existe uma solicitação para autorizar os pagamentos. Os técnicos não conseguiram identificar a aplicação de um total de R$ 300 milhões, conforme explicação da Cobraf, a empresa responsável pela fiscalização. Ela é contratada para isso. Essa exposição está aqui. O CD nos foi entregue. E vou encaminhar à Procuradoria Geral de Justiça e à Secretaria de Transparência e Controle.

Jornal Pequeno – O senhor denunciou, também, que no governo passado o sistema de segurança fardou, armou e colocou nas ruas de São Luís homens que não eram policiais. Por conta disso, o ex-secretário e hoje deputado Aluísio Mendes o está ameaçando com um processo na Justiça. O senhor reafirma o que disse?

Jefferson Portella - Reafirmo. Reafirmo porque recebi, aqui nessa mesa em que nós conversamos, uma comissão de pessoas nessa situação. Relataram aqui uma agitação muito forte por parte dos chamados excedentes do concurso de 2012. Nós assumimos em 2 de janeiro, mas antes disso já éramos procurados por pessoas aprovadas nesse concurso de 2012 que estavam preocupadas com o prazo de validade dos concursos e o chamamento ou não para integrar a força policial Alguns casos estão subjudices, de aprovados na polícia civil, corpo de bombeiros e Polícia Militar. Nessa discussão toda dessas comissões, representando segmentos diversos, surgiu um núcleo com essa informação. E essas pessoas estão aí. Então ele contesta o quê? Ele vai dizer que essas pessoas estão faltando com a verdade? Elas estão aí e se ele quiser ir às barras da Justiça será um prazer encontrá-lo na frente de um promotor e de um juiz. Eu terei todo prazer do mundo em encontrá-lo na presença de um juiz e de um promotor. Sem problema algum.

Jornal Pequeno - Quando assumiu o cargo de secretário de Segurança Pública você tinha plena consciência do tamanho do problema que ia enfrentar, diante do alto índice de violência no Maranhão e, particularmente, em São Luís?

Jefferson Portella - Tínhamos esta certeza mesmo estando distante da gestão pública de segurança. Eu não fazia parte da cúpula administrativa. Primeiro, por convicção. Eu não acreditava no governo anterior, não poderia jamais ocupar um cargo de direção. O que eu exercia era o meu trabalho como delegado de polícia civil de carreira, numa unidade de polícia civil, mas não tinha relacionamento com a cúpula central do sistema de segurança.
Sabíamos do problema porque há quatro anos a criminalidade no Maranhão tomou uma outra roupagem. Exatamente nestes quatro anos de gestão do secretário Aluísio surgiram as facções criminosas no Estado, neste período a cidade de São Luís foi elevada à 15 mais violenta do mundo, por conta do crescimento dos índices de homicídios em mais de 300 por cento, e aconteceu a crise do sistema penitenciário. Até hoje muitas ordens de homicídios partem de dentro da penitenciária, por conta do aprisionamento dos chefes dessas facções.
Esse era o cenário, agravado nestes últimos quatro anos com o esfacelamento da qualidade da gestão pública de segurança. O sistema foi muito prejudicado em seu funcionamento. Delegacias foram fechadas na capital, saíram de prédios públicos onde estavam descentralizadas, foram centralizadas até três delegacias em um único endereço, o que é um absurdo do ponto de vista administrativo, pois precisamos ter unidades espalhadas por toda a cidade. Por outro lado, o Maranhão tem um contingente policial muito restrito. Para fazer um parâmetro, vamos citar o estado do Rio Grande do Norte que tem a metade do tamanho do Maranhão, tem a metade da população e tem o dobro de policiais. Isso é, de fato, muito ruim.
Nós tínhamos conhecimento disso, tanto que no governo Jackson nós deixamos aqui dentro uma análise da necessidade da recomposição do quadro de policiais, considerando aposentadorias de servidores que iam alcançar esse direito constitucional. Nós imaginávamos essa dificuldade. Tanto que ela se deu. Daí, conversamos com o governador Flávio Dino sobre a necessidade de aproveitar os concursados de 2012.
Agora nós estamos mandando para a academia um grande número de candidatos a policiais do concurso de 2012, o que é uma contradição porque estamos em 2015. Então se quer a imposição de um silêncio, mas eu não assumi aqui uma empresa privada, onde o dono pode determinar silêncio sobre os atos internos da empresa. Eu assumi aqui foi o comando de uma Secretaria de Segurança Pública. Portanto, não há aqui segredos da minha gestão e não há segredos de gestões passadas. A vigência é do princípio da publicidade. Como é que eu vou justificar que nós temos um contingente deficitário para o serviço policial hoje? Tem que dizer que havia um concurso, com gastos de recursos públicos, com pessoas aprovadas e que nós estamos chamando agora para fazer a etapa final do concurso, que é a capacitação física e a academia de polícia.
Isso tudo interfere na nossa gestão, sem falar e vou dizer isso claramente e qualquer secretário diga se é ou se não é, que nós pegamos a gestão no dia dois de janeiro. Nós retraímos para pagamentos de agosto de 2014. Quatro meses de combustível de helicópteros atrasados, quatro meses de combustível de viaturas, quatro meses dos salários dos servidores que têm o menor pagamento aqui no sistema de segurança que são os prestadores de serviços gerais que ganham pouco mais de um salário mínimo. Essas pessoas estavam com quatro meses de atraso e eu comuniquei imediatamente ao governador Flávio Dino e disse: Essas pessoas estão sofrendo muito e a gente tem que pagar esse pessoal.
O contrato da Motorola, por exemplo, foi assinado em 2012 para compra de equipamentos de comunicação, rádios e torres e nós vamos instalar em toda a região metropolitana com cobertura digital de toda a ilha. Esse imperativo hoje é feito através de telefonia celular e a comunicação da segurança precisa ser instantânea e não repassada. Esse contrato só foi pago em 2015. Isso precisa ser dito para a população entender porque que algumas coisas ainda não estão sendo feitas.

Jornal Pequeno – Acha que é possível vencer as facções criminosas que hoje agem no Maranhão?

Jefferson Portella - Acredito que é possível vencer as facções criminosas e tenho convicção doutrinária profissional disso. No combate a essas facções deve preponderar a atividade de inteligência, disso eu não tenho nenhuma dúvida. O serviço de inteligência deve preceder a nossa intervenção operacional. Se fizermos a inversão, ou seja, a intervenção sem o trabalho tipicamente de inteligência, estaremos fadados ao insucesso. Com isso colocado em prática, venceremos a força dessas facções.

Jornal Pequeno – Nesses 5 meses de gestão, a polícia já prendeu corruptos que agiam na Educação e, principalmente, agiotas que lesavam os cofres públicos. Há quem diga que mexeu numa verdadeira casa de marimbondos. Esse tipo de ação contra o crime de colarinho branco será permanentes ou tem prazo para acabar?

Jefferson Portella - Nós temos que entender que a lesividade social é cada vez mais sofisticada em suas modalidades. No caso do Maranhão, o destaque é à agiotagem, que importa na subtração e lavagem de recursos destinados à merenda escolar e a saúde pública dos municípios. Veja a lesividade social que isso ocasiona. Estão subtraindo recursos da merenda escolar e da saúde e isso significa que crianças passarão fome nas escolas, algumas crianças em estado de extrema pobreza no interior do Estado deixarão, inclusive, de frequentar a escola se não houver essa merenda. E essas pessoas, no seu egoísmo, no seu orgulho de ostentar um patrimônio de origem ilícita, não se preocupam se elas vão adoecer, vão morrer, vão abandonar a escola, se morrerão nos leitos de hospitais. Eles vão e retiram isso. Compram apartamentos de luxo, carros de 500 mil reais, compram relógios de 33 mil euros e ostentam isso publicamente. E nada da inteligência humana poderia dizer da compatibilidade daquele patrimônio com a fonte lícita indicada pela pessoa em seu imposto de renda que justificasse tal patrimônio.
Essa notícia (da agiotagem) veio a público também em 2012 em relação a 42 prefeituras do Maranhão, porque os cheques delas foram encontrados com agiotas envolvidos na morte do jornalista Décio Sá. Outro dia uma pessoa da imprensa perguntava: Não é estranho que esses casos estejam sendo apurados só agora? Não. Estranho é que não tenham sido concluídos em 2012 quando eles foram noticiados, não é concluir uma investigação iniciada há três anos. Essa investigação se volta para atos de alta lesividade social, como eu disse, no campo da saúde e da educação. Portanto, essas operações não tem data para terminar. A data é a conclusão dos procedimentos. Já tivemos intervenção nos municípios de Dom Pedro, Bacuri, Marajá do Senna, Zé Doca e Bacabal. Portanto, a origem ilícita de recursos foi combatida pela polícia civil com sucesso nas operações, tanto no que diz respeito à prisão dos envolvidos, provas recolhidas e bens coletados através de busca e apreensão para retorno ao erário. E são milhões de reais. É algo que eu acredito que se nós fizermos em relação a todos os municípios estaremos ajudando o desenvolvimento social do Maranhão, na medida em que esses recursos estarão sendo devolvidos à população.

Jornal Pequeno – Como entende que a corrupção contribui para o aumento da violência?

Jefferson Portella - A corrupção funciona como uma condição propícia para a degradação do meio social. Suas consequências se projetam para o futuro. A ação maléfica do corrupto prejudica muito o presente, mas tira também a expectativa de uma vida melhor.
Nós temos a informação da estatística oficial de corrupção no país. São dados oficiais que nós temos, do IBGE, com referência de 2012 e a projeção nacional é de um desvio de 84 bilhões por ano para a corrupção. Esse estudo foi feito e se viu que se a corrupção fosse diminuída no Brasil em apenas 50 por cento, nós tiraríamos, a médio prazo, 16 milhões de pessoas do estado de miséria absoluta. Daríamos qualidade de vida a 16 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza que são os que têm como perspectiva de vida, apenas a alimentação diária. A meta de vida deles é ter alimentação para a família pelo menos uma vez por dia.
É um absurdo. A meta de vida deles é comer. E essa ação da corrupção é letal. Pessoas morrem ou tem seu destino modificado por conta da ação dos corruptos. Para se ter uma ideia, com esses recursos da corrupção, nós poderíamos formar para o Brasil 300 mil médicos nas universidades mais caras do país. O governo poderia construir, eliminando favelas e palafitas, 1 milhão de moradias por ano. Você teria escola praticamente gratuita para a maioria da população brasileira com altíssima qualidade.
Esse estudo foi feito e o que poderia ser feito foi elencado em 10 pontos que mudariam o Brasil. Tenho essa matéria guardada na minha casa e sempre que faço alguma palestra faço questão de levar.

Eu entendo que para uma polícia ter respeito, ela não pode prender só o criminoso de esquina. Para se fazer respeitar, ela tem que prender os bandos organizados, sofisticados, criminosos de colarinho branco que promovem a lavagem de dinheiro público. Tem que atacar o enriquecimento ilícito e imoral sob todos os aspectos, de alta lesividade social e com danos projetados para o futuro. O crime que suprime a qualidade de vida das pessoas e as joga na marginalidade. Uma polícia que não combate esse tipo de criminoso, não merece respeito social. É o meu ponto de vista e é esse ponto de vista que eu vou defender enquanto for secretário de segurança pública do Maranhão. Não temo ameaças, não temo retaliações e não tenho medo da intelectualidade criminosa.


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