Polícia encontrou várias sentenças assinadas pelo juiz Amaury de Lima e Souza beneficiando traficantes, clientes da advogada Andrea Elizabeth de Leão Rodrigues.
A Polícia Federal investiga um crime que pode ter sido cometido por aquele que mais deveria zelar pela Justiça. Um juiz de Minas Gerais está preso, acusado de beneficiar uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas da Região Sudeste.
Ele é juiz de execuções criminais em Minas Gerais, e toma as decisões relacionadas aos presos condenados pela Justiça em Juiz de Fora. A mulher que está com o juiz no vídeo é advogada de um traficante. O vídeo é peça-chave em uma investigação da Polícia Federal que desmontou uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas do país.
Dezessete pessoas foram presas e cerca de R$ 70 milhões apreendidos em dinheiro, drogas, armas, imóveis, dezenas de carros de luxo e até um avião. A droga era trazida da Bolívia e distribuída, principalmente, em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, pelos traficantes Álvaro Daniel Roberto, o Caipira, Peterson Pereira Monteiro, o Zoi, e José Severino da Silva, o Cabecinha.
Mais do que uma rota do tráfico de drogas, Juiz de Fora acabou se tornando uma base estratégica para a organização criminosa e o principal motivo estava no fórum da cidade. Ao investigar a quadrilha, a polícia encontrou várias sentenças assinadas pelo juiz Amaury de Lima e Souza beneficiando traficantes, clientes da advogada Andrea Elizabeth de Leão Rodrigues.
Amaury: Alô.
Andrea: Eu não estou entendendo nada.
Amaury: O que que você não está entendendo, o que você me pediu?
Andrea: Tá, mas não tem alvará, não tem nada.
Amaury: Hein?
Andrea: Não tem alvará.
Amaury: Não é isso que você me pediu, não. Você me pediu para enviar uma peça do carro para você.
Andrea: Espera a peça chegar. Eu não, mas.
Amaury: Já fiz o pedido da peça.
Andrea: Ah tá, entendi.
Andrea: Eu não estou entendendo nada.
Amaury: O que que você não está entendendo, o que você me pediu?
Andrea: Tá, mas não tem alvará, não tem nada.
Amaury: Hein?
Andrea: Não tem alvará.
Amaury: Não é isso que você me pediu, não. Você me pediu para enviar uma peça do carro para você.
Andrea: Espera a peça chegar. Eu não, mas.
Amaury: Já fiz o pedido da peça.
Andrea: Ah tá, entendi.
Segundo a polícia, a 'peça' seria o alvará de prisão domiciliar que o juiz concedeu a um traficante. E este não foi o único caso, como mostram documentos, gravações telefônicas feitas com autorização da Justiça e imagens a que o Fantástico teve acesso com exclusividade.
O traficante Álvaro Daniel é de Campinas, estava em um presídio em Fortaleza e foi transferido para prisão domiciliar em Juiz de Fora. Segundo a polícia, foi uma manobra da quadrilha para tirá-lo de trás das grades com ajuda do juiz Amaury. A defesa apresentou um atestado médico afirmando que o traficante precisava de uma cirurgia urgente.
"Certidões falsas, comprovantes de residências falsos, levando esse preso de um estado para a base Juiz de Fora. As provas produzidas dão conta que ele participava, ele não julgava, ele era participante da organização criminosa", diz Sérgio Menezes, Superintendente da PF-MG.
Além de determinar a prisão domiciliar, o juiz permitiu que o criminoso viajasse sem escolta. A advogada Andréa Rodrigues foi buscá-lo, em Fortaleza, em um avião particular.
Em Juiz de Fora, a polícia interceptou uma comunicação entre integrantes da quadrilha:
Zoi: Será que não arruma uns R$ 500 mil até amanhã? Que tenho que pagar o juiz. Que o amigo saiu da cadeia. Mas tenho que pagar, amanhã, R$ 600 mil.
Zoi: Será que não arruma uns R$ 500 mil até amanhã? Que tenho que pagar o juiz. Que o amigo saiu da cadeia. Mas tenho que pagar, amanhã, R$ 600 mil.
No dia seguinte, foi em um estacionamento de um hotel em Juiz de Fora que, segundo as investigações, o juiz recebeu o pagamento pela venda da decisão judicial. Tudo foi registrado, comprovando o encontro dele com a advogada do traficante.
Às 18h30, Andrea desce de um carro na entrada lateral do hotel, sai carregando uma bolsa de mão e caminha até a parte de trás do veículo, onde pega uma segunda bolsa maior. A advogada carrega, então, as duas bolsas na direção da garagem. A câmera do estacionamento, no subsolo, mostra Andrea Caminhando até um carro branco. Ela abre a porta traseira e, segundo a polícia, neste momento, guarda a bolsa maior no porta-malas.
Logo em seguida, Andrea é vista no saguão segurando apenas a bolsa menor. Às 18h41, o carro do juiz Amaury entra na garagem do hotel. Ele estaciona bem ao lado do carro branco onde Andrea esteve minutos antes. O juiz sobe até o saguão e volta, em seguida, acompanhado da advogada. No elevador, os dois se beijam.
Já na garagem, os faróis indicam que os carros foram destrancados. Segundo a polícia, neste momento, Andréa teria entregado a mala contendo R$ 600 mil ao juiz. Amaury entra no carro e vai embora. Ele ficou menos de cinco minutos no hotel. Andrea volta para o saguão, novamente, carregando apenas a bolsa menor.
As câmeras de segurança mostram ainda outro fato revelador: horas antes do encontro com o juiz, Andréa esteve no mesmo hotel com o traficante Álvaro Daniel, que já tinha saído da penitenciária para cumprir pena em Juiz de Fora.
Da prisão domiciliar, Álvaro Daniel pretendia continuar comandando o tráfico e controlando as remessas de drogas direto da Bolívia. São cômodos confortáveis. Piscina, churrasqueira e sauna. Álvaro Daniel ficou na casa menos de três meses. Hoje, o imóvel está apreendido e o traficante, foragido.
O juiz Amaury também teve bens apreendidos. "Ele recebeu uma quantia de valor vultoso de cédulas miúdas vindas do tráfico de drogas do Rio de Janeiro. E com esse dinheiro, ele comprou um apartamento e um carro de luxo", aponta Sérgio Menezes, Superintendente da PF-MG.
Para a polícia, uma conversa com um corretor de imóveis mostra que parte do apartamento foi paga com dinheiro vivo, e em notas pequenas.
Corretor: Doutor. Está faltando 1.140.
Amaury: É mesmo?
Corretor: É. Num pacote de cinco estava faltando umas notas e no pacote daqueles de dois estava faltando, está tudo separadinho, nós estamos com ele, faltando 140, entendeu?
Amaury: É mesmo?
Corretor: É. Num pacote de cinco estava faltando umas notas e no pacote daqueles de dois estava faltando, está tudo separadinho, nós estamos com ele, faltando 140, entendeu?
O advogado de Amaury de Lima diz que o dinheiro não veio do tráfico. O juiz teria usado economias que guardava em casa. “Na verdade, nós vamos comprovar, no processo, que as notas eram de R$ 50 e R$ 100”, diz Gustavo Mendes, advogado do juiz.
A defesa do juiz nega todas as acusações e contesta as provas da polícia. “Não existe nenhuma imagem de transferência de bolsa para o magistrado”, disse o advogado.
Fantástico: E ele foi lá para quê?
Gustavo Mendes, advogado do juiz: Ele foi simplesmente para despedir dela, visto que ela voltaria pra sua cidade.
Gustavo Mendes, advogado do juiz: Ele foi simplesmente para despedir dela, visto que ela voltaria pra sua cidade.
Por telefone, o advogado de Andréa não quis falar sobre o caso. A OAB suspendeu, provisoriamente, o direto da advogada de atuar. E contesta a conduta do juiz. “Se um juiz tem uma relação amorosa com uma advogada, evidentemente, que ele juiz deveria se declarar suspeito impedido para atuar no caso”, diz Luis Cláudio Chaves, presidente da OAB-MG.
Andrea e Amaury estão presos preventivamente. Entre outros crimes, foram denunciados à Justiça por corrupção, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. O juiz ainda é acusado de posse ilegal de armas de uso exclusivo das Forças Armadas.
"A prova produzida no inquérito conduzido pela Polícia Federal é contundente, é forte, são interceptações telefônicas, são gravações de vídeo, a própria movimentação financeira e a prova testemunhal presente no inquérito. A prova é robusta”, afirma Carlos André Bittencourt, Procurador Geral de Minas Gerais.
No mês passado, assim que os traficantes foram presos, Amaury telefonou para um advogado amigo dele. “Ah, eu estou numa preocupação... Então é o seguinte: eu estou achando que vem uma m.. muito grossa aí pela frente”, diz Amaury.
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