"NÃO REVOGUEI NENHUMA DECISÃO SOBRE LOCKDOWN. APENAS DETERMINEI A REMESSA AO TJ DA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO QUE FOI PROTOCOLA APÓS O DEFERIMENTO DA LIMINAR", AFIRMA GUERREIRO JUNIOR.

 


D E C I S Ã O

Trata-se de Mandado de Segurança com pedido liminar impetrado pelo Ministério Público do Estado do Maranhão contra suposto ato ilegal praticado pelo Juiz Direito Douglas de Melo Martins, titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca da Ilha de São - Termo Judiciário de São Luís. O impetrante narra que ajuizou a Ação Civil Pública nº 0813613-03.2020.8.10.0001 visando compelir o Estado do Maranhão, em suma, a demonstrar ampla transparência nas medidas efetivamente adotadas no enfrentamento da pandemia ocasionada pela propagação do novo coronavírus (COVID-19). Diz que referida ação tramita na Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca da Ilha de São Luís, cujo juiz titular é a autoridade ora apontada como coatora.


Relata que, ao tomar conhecimento de que a autoridade coatora, de ofício, se deu por suspeito, por razões de foro íntimo, na Ação Popular nº 0819969-82.2018.8.10.0001, em que figuram no polo passivo o atual Governador do Estado, Flávio Dino, o Secretário Estadual de Saúde, Carlos Lula, e o ente federativo, Estado do Maranhão, arguiu Exceção de Suspeição do magistrado nos autos da ACP nº 0813613-03.2020.8.10.0001, a fim de assegurar a imparcialidade no julgamento.


Afirma que a autoridade coatora, no entanto, “ao não reconhecer a suspeição para atuar nos autos da reportada Ação Civil Pública, o Magistrado não cumpriu a lei e deixou de determinar a autuação do respectivo incidente processual e de remetê-lo a julgamento pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Agindo, portanto, em total desconformidade ao que prescreve o Regimento Interno do TJ MA (art. 496 c/c art.11, inciso II, ‘c’) e o Código de Processo Civil (art. 146, § 1º). Se não bastasse isso, continuou inovando, ao expedir ofício à Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Maranhão, sem se dar por suspeito, solicitando a designação de um juiz auxiliar para a Vara de Interesses Difusos e Coletivos, pelo prazo de 30 dias, bem como para assumir a atividade judicante da Ação Civil Pública”. Desta feita, e alegando ter havido violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório, da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência, pugna pela concessão da liminar, a fim de suspender o ato ilegal e determinar a imediata remessa do Incidente de Arguição de Suspeição ao Egrégio Tribunal de Justiça. Ao final, requer a concessão da ordem em definitivo.

 

É o relatório. Decido.

A concessão de liminares em sede mandamental requer, conforme art. 7º, III, da Lei 12.016/09, que, sendo

relevante o fundamento do ato impugnado, possa resultar a ineficácia da medida caso não seja deferida, razão pela qual deve ser comprovada a presença simultânea da plausibilidade do direito alegado e do risco associado à demora na entrega da prestação jurisdicional.

Com efeito, realizando uma análise prelibatória da demanda, própria do presente momento processual, tenho que o pleito liminar deve ser deferido, tendo em vista a presença dos requisitos em favor do impetrante. Explico.


As causas de suspeição carregam, como sabido, certa dose de subjetividade (daí porque a alegação deve vir acompanhada de provas da parcialidade do julgador), não se deve confundi-las com meras irresignações acerca de decisões judiciais técnica e regularmente prolatadas, ainda que reiteradas.

As hipóteses de suspeição foram reorganizadas pela nova sistemática processual civil (considerando-se, inclusive, que a hipótese de suspeição antes prevista no art. 135, III do CPC/73 agora aparece como causa de impedimento do juiz no art. 144, VI do NCPC) e se encontram todas nos incisos do art. 145. Importante ressaltar, desde logo, que o CPC deixa expressa a desnecessidade de o juiz declarar as razões pelas quais se declara suspeito quando assim o fizer por motivos de foto íntimo (§ 1º).


Além disso, traz situações nas quais a alegação de suspeição será considerada ilegítima (§ 2º), prestigiando a boa-fé no âmbito processual (art. 5º), notadamente em relação à impossibilidade de se beneficiar da própria torpeza (tuo quoque) e à proibição de comportamento contraditório (venire contra factum proprio non potest).

 

Pois bem. Decerto, prevê o art. 313, inciso III, do CPC/2015, que suspende-se o processo pela arguição de impedimento ou de suspeição, bem com o art. 314 é cristalino ao afirmar que durante a suspensão é vedado praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de arguição de impedimento e de suspeição.


Logo, conforme determina o Código de Processo Civil, com o ajuizamento da Exceção de Suspeição ocorre a suspensão do processo (CPC art. 313, inciso III), sendo que ao magistrado apontado como suspeito são concedidas as seguintes alternativas (art. 146, §1º, CPC), a saber: ou reconhece a suspeição e declina da competência para o substituto legal; ou a nega e determina o encaminhamento do incidente ao Tribunal, órgão competente para julgá-la.

 

No entanto, denoto que o magistrado excepto, ora impetrado, não cumpriu o determinado no ordenamento jurídico, deliberando em um processo no qual havia sido levantada sua suspeição, ao determinar a expedição de ofício “à Corregedoria Geral da Justiça solicitando-se a designação de juiz auxiliar para funcionar junto a esta unidade pelo prazo de 30 dias, bem como para responder pelo presente processo”.

Assim, o ato apontado como coator está em dissonância com as leis que regem a matéria, uma vez que, na medida em que não reconheceu sua suspeição, somente restava ao magistrado a alternativa de adotar o rito estabelecido no art. 146 do CPC, pois é do Egrégio Tribunal de Justiça a atribuição privativa para apreciar o incidente, inclusive quanto à deliberação a respeito da perpetuação do efeito suspensivo decorrente de sua oposição.

 

Eis jurisprudência desta E. Corte sobre o tema, in verbis:

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO.

INTERPOSIÇÃO CONTRA LIMINAR DEFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. ART 314 DO CPC.


SUSPENSÃO DO PROCESSO. DECISÃO PROFERIDA APÓS O AJUIZAMENTO DA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. MANIFESTA ILEGALIDADE. ARGUMENTAÇÃO RECURSAL INSUFICIENTE PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO IMPROVIDO.


I. Com o ajuizamento da Exceção de Suspeição ocorre à suspensão do processo (CPC/2015, art. 313, inciso III), sendo que ao magistrado tido como suspeito é concedido as seguintes alternativas: ou reconhece a suspeição e declina da competência para o substituto legal; ou a nega e determina o encaminhamento do incidente ao tribunal, órgão competente para julgá-la.



II. Desta maneira, ainda que o magistrado se depare com situação tida como urgente, hipótese esta não presente no caso em espécie, não será permitido a realização de nenhum ato processual durante o período de suspensão do processo. Essa é uma inovação do Novo Código de Processo Civil com a finalidade de proteger aquele direito pleiteado, evitando que eventual situação de urgência se sobreponha a imprescindível imparcialidade dos magistrados para a análise de toda e qualquer demanda.

III. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. (STJ, AgInt no AREsp 856.180/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 09/08/2016).


IV. Agravo Interno improvido. (TJMA, AgIntCiv no(a) MSCiv 032644/2016, Rel. Des. ANTONIO GUERREIRO JÚNIOR, PRIMEIRAS CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS, DJe 13/02/2017).

 

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO OPE LEGIS. ART. 313, INCISO III, DO CPC. INOBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO NO ART. 146 DA LEI ADJETIVA CIVIL. ERROR IN PROCEDENDO. NULIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS. RETORNO DO PROCESSO À ORIGEM.


1. A exceção de Suspeição prevista nos arts. 145 e seguintes do CPC possui especial relevância, de modo a garantir a imparcialidade do Juiz designado para causa, assim como a idoneidade das decisões
proferidas.


2. O Juízo de Origem inobservou que a mera propositura da Exceção de Suspeição é causa ope legis de suspensão do processo, a teor do disposto art. 313, inciso III, do CPC. Ademais, na hipótese de não ser reconhecida a suspeição pelo próprio Magistrado Excepto, caberia àquele Juízo tão somente adotar o rito estabelecido no art. 146 do mesmo Diploma, vez que a atribuição para apreciar o incidente proposto pela parte é privativa deste E. Tribunal de Justiça, a quem compete, inclusive, deliberar a respeito da perpetuação do efeito suspensivo decorrente de sua oposição.


3. O fato do Magistrado tido por suspeito, então designado como Juiz Auxiliar, não mais funcionar perante a Vara de Origem não ocasiona, de per si, a prejudicialidade da Exceção oposta. Isso porque, o Togado em discussão proferiu sentença no feito e, acaso seja reconhecida sua parcialidade para atuar neste processo, o ato poderá ser anulado, consoante dispõe o art. 146, §7º, do CPC.


4. Apelação conhecida e provida.
5. Unanimidade. (TJMA, ApCiv 0341112018, Rel. Des. RICARDO TADEU BUGARIN DUAILIBE, QUINTA CÂMARA CÍVEL, DJe 25/03/2019).


Presente, portanto, o requisito autorizador da suspensão do ato atinente à existência de fundamento relevante (fumus boni juris), passo à análise do pressuposto concernente ao perigo do ato impugnado acarretar ineficácia à medida postulada (periculum in mora), caso venha a ser finalmente deferida.


Num. 6374367 - Pág. 4 Assinado eletronicamente por: ANTONIO PACHECO GUERREIRO JUNIOR - 12/05/2020 17:12:38

O perigo da demora, por sua vez, mostra-se presente no fato do feito origem tramitar sem a fiel obediência das normas processuais, caso se aguarde o julgamento de mérito do presente writ.

Ante o exposto, defiro o pedido liminar vindicado para determinar a suspensão dos efeitos da decisão apontada como ato coator e determinar a imediata remessa do Incidente de Arguição de Suspeição ao Egrégio Tribunal de Justiça para regula processamento, até o julgamento do mérito do presente mandamus.

 

Em atenção ao art. 7º da Lei nº 12.016/2009, determino seja notificada a autoridade dita coatora do conteúdo da inicial, enviando-lhe cópias dos documentos que a instruem, para que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações de praxe.

 

Cite-se o Estado do Maranhão, por sua Procuradoria Geral, para, querendo, ingressar no feito. 

Após tais providências, remetam-se os autos à Procuradoria Geral de Justiça.

 

São Luís/MA, data do sistema.

Des. Antonio Guerreiro Júnior

Relator


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